BAHIA LIDERA MORTES POR AÇÕES POLICIAIS E ENFRENTA ALTA LETALIDADE: ESPECIALISTAS APONTAM CAUSAS ESTRUTURAIS E AUSÊNCIA DE PLANO EFETIVO
Estado acumula mais de 1.700 mortes por intervenção policial em 2023 e segue no topo do ranking nacional pelo segundo ano; reorganização do crime e incentivos à força letal estão entre os fatores apontados

A Bahia enfrenta uma grave crise na segurança pública e lidera, pelo segundo ano consecutivo, o número de mortes decorrentes de intervenções policiais no Brasil. De acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgado em 2024, foram registradas 1.699 mortes em ações de agentes do estado ao longo de 2023 — aumento de 15% em relação ao ano anterior, quando o número foi de 1.467. O dado é reforçado pelo Mapa da Segurança Pública 2024, do Ministério da Justiça, que aponta 1.701 mortes no mesmo período, equivalentes a 26,6% do total nacional.
O avanço da letalidade está inserido em um cenário complexo que, segundo especialistas, envolve desde fatores externos — como a reconfiguração do crime organizado no estado — até políticas internas de segurança que priorizam o confronto. “As organizações criminosas ligadas ao tráfico de armas e drogas passaram por um processo de reestruturação nos últimos dez anos, com forte influência de grupos de fora do estado e até do exterior”, explica Dudu Ribeiro, integrante da Rede de Observatórios da Segurança na Bahia e diretor da Iniciativa Negra. “Essa reorganização desencadeia novos conflitos locais e intensifica disputas prolongadas”, acrescenta.
Do ponto de vista interno, a atuação da polícia também é alvo de críticas. Ribeiro afirma que há incentivo institucional para o uso excessivo da força. “A letalidade passa a ser tratada como sinônimo de eficiência, quando, na verdade, revela uma falência do modelo atual”, critica. Segundo ele, o estado carece de um plano consistente que estabeleça metas reais para a redução da violência policial.
Os números indicam uma escalada contínua: em 2021, a Bahia ainda estava atrás do Rio de Janeiro, mas superou o estado fluminense nas edições seguintes da pesquisa. Renato Sérgio Lima, presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, aponta um agravante nacional. “As polícias foram responsáveis por 8% das mortes violentas intencionais no país em 2018. Em 2023, esse percentual saltou para 13%”, destaca.
A Secretaria de Segurança Pública da Bahia (SSP-BA), por sua vez, afirma que houve uma redução de 10,4% nos homicídios violentos no estado em 2023, e destacou a contratação de 6 mil novos policiais e bombeiros para reforçar as ações preventivas e de inteligência.
Apesar disso, os casos violentos continuam a chocar a população. Em 24 de abril, Gildásio de Oliveira Pereira, de 61 anos, foi morto durante uma tentativa de assalto na Avenida Gal Costa, em Salvador. Dias depois, em 6 de maio, o trabalhador Luis Eduardo Santos da Silva, de 37 anos, foi assassinado em outro assalto, desta vez na Avenida ACM, também na capital.
Segundo os dados do Atlas da Violência, a Bahia registrou uma redução de apenas 2,4% no total de mortes violentas entre 2022 e 2023. Em uma análise de dez anos, porém, o crescimento é de 16,2% — saltando de 5.694 mortes em 2013 para 6.616 em 2023.
Além da Bahia e do Rio de Janeiro, os estados de Pernambuco, São Paulo e Ceará compõem os cinco com maior número absoluto de homicídios registrados entre 2015 e 2023. Para especialistas, a reversão desse quadro depende de mudanças estruturais e de um novo modelo de segurança que valorize a prevenção, o controle da letalidade e o fortalecimento de políticas públicas baseadas em dados e metas claras.
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